segunda-feira, 10 de setembro de 2007

CIRURGIA PLÁSTICA

O LIMITE ENTRE A VONTADE E O MEDO





Marcelo Caron. Para a maioria de vocês, interessados em uma matéria sobre cirurgia plástica, este nome não é nem um pouco estranho. Estranho mesmo é ouvir com bastante firmeza e um enorme sorriso no rosto, uma das 29 vítimas de deformação gravíssima deste mesmo médico dizer: "Não só gostaria, como fiz e farei quantas cirurgias plásticas desejar ou necessitar."

S.M, 41 anos, gerente de um bar da região nobre da capital goiana, passou pelas mãos de Caron em 1999. Até então, era obesa. Depois de se submeter a um caprichado regime, emagreceu, mas ficou com excesso de pele, principalmente no abdome e nos braços. Ouviu falar de Caron através de uma amiga que a levou até o médico para uma consulta. "O consultório estava lotado. As outras pacientes com quem conversei disseram estar satisfeitas, e os poucos minutos que tive de conversa com ele o fizeram parecer confiável. A única coisa que me assustou foi ele ter dito que, se eu quisesse, ele faria a cirurgia já no dia seguinte".

Precipitação. Talvez tenha sido esta a razão que quase levou S.M, que teve infecção generalizada, à morte. A cirurgia plástica, assim como qualquer outro tipo de cirurgia, é um procedimento de risco. Contudo, esse risco tem uma proporção consideravelmente menor por se tratar justamente de uma conduta cirúrgica planejada, em que se pode esperar a oportunidade ideal para ser realizada.

Não foi o caso de S.M. Mesmo tendo achado estranho o imediatismo proposto por Caron, fez os exames no dia 6 de janeiro e, cinco dias depois, já estava na sala de cirurgia, totalmente entregue ao desejo se ver e sentir cada vez mais bela.

Mas afinal, o que é beleza? Para Aristóteles, consiste na noção de limite, ou seja, do não exagero. Na idade moderna, foi conceituada por Hegel como aquela que revela a verdade da realidade. Hoje, como afirma o professor de Estética e Cultura de Massas, Alberto da Silva Moreira, "beleza é uma questão essencialmente humana que se tornou um padrao a ser seguido, uma mercadoria".

Independente de todos esses conceitos, para S.M, "beleza é você se olhar e se gostar". Isso explica, em partes, o porquê de sua vontade ter superado tão facilmente o medo de se submeter novamente a uma outra cirurgia: além de se dar bem com o espelho, beleza é um critério que hoje em dia confere poder às pessoas.

A psicóloga clínica e terapeuta cognitivo-comportamental, Berta Elias explica melhor o conceito. "Pessoas bonitas são geralmente mais bem-sucedidas, atraem mais atenção, são mais reconhecidas, têm mais acesso à lugares, pessoas e oportunidades, recebem mais convites, são mais populares. Enfim, são bem mais aceitas na sociedade."

Não por acaso, o número de cirurgias plásticas vem crescendo tão assustadoramente. Segundo dados confirmados pelo Assessor de Imprensa da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Raul Cury, o Brasil tornou-se recordista mundial em cirurgia plástica. N o ano 2000, por exemplo, 350 mil brasileiros submeteram-se a uma cirurgia plástica com função estética. A relação entre a quantidade de intervenções e a população chegou a um resultado de 207 cirurgias para cada 100 mil habitantes, ultrapassando os Estados Unidos, onde essa relação era de 185 pacientes para cada 100 mil habitantes.

Mas por que números tão exorbitantes? Na verdade, como afirma a socióloga Patrícia Lopes em seu artigo "A Influência da Mídia Sobre os Padrões de Beleza", a banalização da cirurgia plástica vem ocorrendo no Brasil devido a um ciclo interminável, que começa com a supervalorização pelos meios de comunicação de um padrão estético quase impossível de ser alcançado naturalmente. Isso tem levado um número enorme de pessoas, principalmente mulheres, a se submeterem a operações na maioria das vezes complicadas e desnecessárias. E o mais alarmante é que elas atrelam a possibilidade da felicidade completa e de uma desejada realização pessoal ao sucesso das correções estéticas que as aproximam do que vêem, por exemplo, na televisão.

Mas a influência midiática não ocorre também nos Estados Unidos e na Europa? Sim, mas, como afirma o artigo "Brasil – Campeão em Cirurgia Plástica" (publicado no site http://www.vivatranquilo.com.br ), "o ímpeto com que o público brasileiro se entrega sem reservas à mesa de cirurgia é impressionante. Enquanto nos outros países a plástica exige um tempo de pesquisa e reflexão e os pacientes, em geral, mostram preocupações principalmente com a anestesia, os brasileiros decidem se operar muito mais rápido e só parecem ter medo do resultado que pode não ficar tão bom quanto o esperado."

A superoferta é outro motivo que leva a cirurgia plástica à banalidade. É comum, hoje em dia, ver casos de cirurgias divididas em vários pagamentos e até financiadas, como faz, por exemplo, a Perfect, uma espécie de intermediadora de serviços médicos criada para facilitar o acesso a profissionais da área, cobrando por isso. Em seu site (http://www.perfectplastica.com.br), no link "Formas de Pagamento", é possível encontrar cirurgias plásticas parceladas em até 24 vezes, como se fossem uma televisão, ou uma geladeira . Isso induz a pessoa a escolher o médico pelo preço, e não necessariamente pela aptidão, habilidade, ética e credibilidade que tornam o mesmo mais indicado para tal procedimento. Aliás, checar todos esses quesitos, conferindo se o médico escolhido é registrado no CRM (Conselho Regional de Medicina) e na SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica), é uma das primeiras recomendações feitas àqueles que decidem submeter-se uma cirurgia plástica.

A diversificação do público é um outro motivo que vem fazendo da cirurgia plástica algo cada vez mais abundante. O número de homens e de jovens que agora se submete a cirurgias estéticas sem medo nem vergonha é consideravelmente maior. Para se ter uma noção, os homens, que representavam apenas 5% dos operados, hoje já são 31%, enquanto os jovens de 7 a 13 anos representam 8% e os de 14 a 18, 13%.

Israel Dias de Deus é apenas um, entre os vários homens que encaram sem problema a cirurgia plástica. "Fiz para me sentir bem comigo mesmo, me aceitar melhor". Depois de anos se sentindo incomodado com o formato do nariz, Israel superou o preconceito e se submeteu a uma rinoplastia. Hoje, ao invés de gozação, ele diz receber apenas elogios. "A mudança foi drástica, me tornei outra pessoa. A auto-estima está lá em cima".

Com a jovem F.A. não foi diferente. Para ela, a idade certa para se fazer uma cirurgia é quando a pessoa já não está mais a vontade com o seu corpo. O único cuidado a ser tomado é, segundo a garota, ter realmente certeza de que não se trata de um mero impulso. "Desde os 14 anos de idade tenho vontade de colocar prótese nos seios. Meus pais insistiram para eu esperar até ter filhos e amamentar, mas nada me convenceu", afirma F.A., hoje com 20 anos e feliz da vida com seus novos seios.

Banal ou não, com risco ou sem risco, cara ou barata, com seqüela ou sem seqüela, a cirurgia plástica parece realmente ter trazido mais alegria à vida dessas pessoas. Talvez por isso, o procedimento tenha virado moda e caído no gosto do brasileiro. Contudo, é bom lembrar que o sucesso de uma cirurgia plástica vai muito além da vontade e do medo. Como reforçam os médicos, é preciso precaução e bom senso para escolher bons profissionais e trabalhar sempre com expectativas reais. Afinal, como já dizia desde a Antigüidade o gênio Aristóteles, beleza consiste justamente na noção de limite.