
Fim de semana, nada pra fazer e decidi justamente pelo programa que sempre abominei pelo menos aos sábados e domingos: ir ao Shopping Center. Lugar fechado, iluminado por quadrados devidamente projetados para despertarem desejos, cheio de pessoas segurando casquinhas mistas do Mc Donald's, se esbarrando umas nas outras pra rodar, rodar e chegar a lugar nenhum. Um bando à toa, exatamente como eu!
Mas de tudo se tira uma lição. E a minha começou quando me deparei com quatro jovens à frente do caixa de uma loja de brinquedos. Eram duas meninas, uma de no máximo 10 anos, a outra de mais ou menos 17, 18; e dois meninos, um nessa mesma faixa de idade e o outro uns dois anos mais velho, certamente o primogênito da família. Em um ato de total indiscrição, sem o mínimo de pudor da minha parte, comecei a prestar atenção na conversa dos jovens e simplesmente descobri que o mal da humanidade é virtual. E se chama cartão de crédito!
Aqui descrevo o que ouvi. Desculpem-me se sem uma garantia de total fidelidade ao discurso, mas com real e confiável semelhança:
- Já sei! Já que o Playstation está emprestado, a gente podia comprar um Imagem & Ação pra jogar essa noite. O que vocês acham? – disse a menina de 17, 18 anos, que depois descobri ser a namorada do primogênito.
O menino com a mesma faixa de idade, logo revidou:
- Que Imagem & Ação o quê! Larga de ser fútil! Vamos comprar um jogo mais cult, tipo Perfil, saca?
- Cult por cult então melhor levar Scotland Yard. Elementar, meu caro irmão! – gargalhou o primogênito induzindo toda a família a seguir o riso.
A namorada emburra-se por ser chamada de fútil e o primogênito pra garantir o bom humor da noite decide levar o Imagem & Ação e o Scotland Yard. Mas o irmãozinho metido a intelectual não aceita e inclui no carrinho de compras o tal Perfil.
- Se todo mundo vai levar, eu também quero esse quebra-cabeça de 3.000 peças do High School Musical! – grita a pequena de 10 anos.
Mesmo sabendo ser impossível uma criança de 10 anos montar um quebra-cabeças de 3.000 peças, o carrinho aceita em sua espessura mais uma caixa de brinquedos.
Na hora de pagar a mulher do caixa dá uma olhada desconfiada e pergunta se são todos para presente. A namorada logo entra na frente:
- Não! São todos para NÓS! É que não temos o que fazer esta noite!
A mulher se vira com olhar de desprezo e mostra o valor de R$310,24 na tela do caixa. O sr. Primogênito tira o cartão e simplesmente diz:
- No débito, por favor!
Já estava suficientemente indignada quando ao saírem os jovens ainda comentaram que passariam no Burger King cada um para comprar uma promoção que eu calculo ser de no mínino 11, 12 reais. Isso sem contar o cinema, o estacionamento e uma ou outra baboseira escondida em todas aquelas sacolas brilhantes.
Só sei que ao final do passeio no shopping, eu, que trabalho, tenho uma condição não só estável, mas confortável, não tinha gastado sequer um terço daqueles quase 400 reais deixados de bobeira pelos jovenzinhos, no tal lugar fechado, iluminado por quadrados que não só tentam mas despertam irrecusáveis desejos, cheio de pessoas segurando não só casquinhas mistas do Mc Donald's mas também sacolas cheias e brilhantes, se esbarrando umas nas outras pra rodar, rodar e chegar aonde todos almejam: no lugar mais próximo ao topo da auto-afirmação.
Sempre me senti mal nos momentos à toa da minha vida. Mas dessa vez meu estado de nostalgia, diante de tanta futilidade e irresponsabilidade dos pais desses jovens, se multiplicou. E em juros compostos, pois é realmente indigesto saber que basta eu voltar àquele shopping no próximo final de semana pra saber que tudo aquilo já deixou há muito de ser exceção para virar regra. Que o poder entregue aos filhos passa longe de ser um agrado aos pimpolhos e resume-se somente à necessidade de vislumbrar e exibir poder por parte de pais que em nome da boa aparência andam mais sem limites que seus filhos e os cartões de crédito a eles engatilhados.